quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Especialista em linguagem cuneiforme contesta interpretação do Hino à Ninkasi como 1ª receita de cerveja da humanidade

Pessoas bebendo cerveja, de canudo, em um selo cilíndrico do 3o. Período Dinástico da Suméria (cerca de 2600 a.C.) Crédito: CDLI/Divulgação. 


"O hino a Ninkasi é a primeira receita de cerveja conhecida da humanidade".

Levanta a mão quem já ouviu/leu essa afirmação e suas devidas variações em algum curso ou livro sobre cerveja. OK, podem abaixar. Todo mundo, certo?

Pois é possível que seja, sim, a primeira receita. Mas isso está longe de ser uma verdade inquestionável ou mesmo um consenso na comunidade acadêmica.

A mística criada em torno da IPA não é exceção. As "explicações-miojo" dos supostos especialistas do mercado cervejeiro andam muito perigosas. Sob o argumento de "transmitir mais facilmente informação aos leigos", as simplificações e a transformação de suposições em fatos vão deturpando os fatos conhecidos e ignorando as amplas lacunas ainda existentes em muitas leituras científicas do passado remoto.

Como o leitor já sabe, este blog é especializado em ir aos detalhes. Descobri, assim, por exemplo, que uma das vozes dissonantes no caso de Ninkasi era ninguém menos que o matemático, filósofo e historiador da ciência Peter Damerow. Ele não concordava com a tese, e com mais uma porção de coisas que se tornaram clichês do meio cervejeiro sobre a produção de cerveja da antiguidade. Segundo o pesquisador, é vasto o terreno da especulação a respeito destes tempos dos quais restam poucas memórias. Mas, por mais bem-intencionada ou poética que seja, especulação não pode ser transmitida como fato.

"Ora, e daí? Quem é Damerow e por que sua opinião deveria ser levada em consideração?", perguntará o suposto especialista que não admite ser contrariado.

Pausa para um argumento de autoridade - e para que os leitores reflitam que há argumentos de autoridade bastante justos.

Pesquisador do Instituto Max Planck para História da Ciência, Damerow era especializado no surgimento da contabilidade e da escrita na Mesopotâmia. A partir da análise de textos arcaicos e proto-cuneiformes com auxílio de computadores, iniciada em 1982, foi um dos responsáveis - junto com o arqueólogo Hans Nissen e o filólogo Robert K. Englund - pela criação da Cuneiform Digital Library Initiative (CDLI), que serve de fonte para os pesquisadores da área, com suas reproduções em alta resolução dos tabletes cuneiformes, transcrições e seus dados catalogais.

O especialista em linguagem cuneiforme Peter Damerow, em seu escritório em Berlim. Crédito: CDLI/Divulgação

Em artigo intitulado "Sumerian Beer: The Origins of Brewing Technology in Ancient Mesopotamia" ("Cerveja Suméria: As origens da tecnologia de produção de cerveja na Antiga Mesopotâmia", sem tradução oficial em português), publicado postumamente no Cuneiform Digital Library Journal 2012, Damerow examinou o que a comunidade científica possui de evidências sobre o assunto. O resultado? Depois de 30 anos dedicado ao estudo do antigo idioma, sumério, sobravam-lhe incertezas e faltavam afirmações categóricas.

"De acordo com a interpretação representada por esta tradução, que é correntemente aceita entre a maioria dos acadêmicos trabalhando com a literatura cuneiforme, fazer cerveja começava com dois processos, a preparação do 'bappir', o termo que é deixado não traduzido, e o umedecimento e germinação do malte. O passo seguinte era a preparação do mosto, seu cozimento e resfriamento. Finalmente, o mosto era preparado e fermentado. Quando a cerveja estava pronta, era filtrada do vasilhame de fermentação para um vasilhame coletor, no qual era despejada para consumo", explicou, para em seguida, rebater categoricamente tal análise:

"Tal interpretação do Hino a Ninkasi como representando os passos do processo de fazer cerveja dificilmente é possível sem aplicar o conhecimento moderno da química cervejeira. Dado que muitas passagens do texto são obscuras, a tradução é influenciada em grau considerável pelo conhecimento da tecnologia cervejeira moderna".

Ou seja, seres humanos projetando para o passado seu conhecimento atual. Prosseguindo:

"Em particular, o texto não esclarece de forma inambígua as estrofes do hino como seguindo os estágios do processo cervejeiro em sua ordem natural. Sua interpretação como uma sequência de passos consecutivos é baseada na presunção de que os ingredientes malte (lê-se 'munu'), sun (na edição padrão também traduzida como 'malte') e 'titab' designavam três estágios sucessivos do mesmo ingrediente. Dado que em textos em Sumério Antigo malte e "titab" são registrados como ingredientes separados, tal interpretação requer a presunção posterior de uma considerável flexibilidade destas designações da própria técnica cervejeira".

Segundo Damerow, a sequência de passos da produção da cerveja descrita no poema é incompleta:

"O hino não diz como o processo de germinação foi interrompido no ponto certo. Geralmente, presume-se que a cevada foi submetida a calor e um processo de secagem foi usado para parar a germinação quando os brotos alcançassem o tamanho requerido, mas nada assim é mencionado no hino. O processo de brassagem (mashing) é indicado por 'as ondas que sobem e caem', mas não é mencionado que tal processo requer algum tipo de calor. A interpretação presume ainda que o hino descreve de forma independente uma da outra a preparação do 'bappir' e do malte, mas a questão de em que estágio do alegado procedimento 'bappir' e o malte foram misturados permanece não respondida. As opiniões a este respeito diferem consideravelmente na literatura acadêmica. Foi até sugerido que o ingrediente "dida", bem conhecido dos administrativos e mencionado também no hino (traduzido como "mosto doce"), não é um outro inrediente para adoçar a bebida como é geralmente presumido, mas precisamente a mistura de 'titab' e 'bappir', que não consta no hino, a partir do qual o mosto final para fermentação pode ter sido preparado."

Ele se estende, ainda, sobre um ponto fundamental: o significado do termo "bappir", aceito de forma, segundo ele, equivocada, como um "tipo de pão".

"O segundo ingrediente [Nota do Editor: o primeiro era "munu", aceito unanimemente como "malte"] sempre contido na antiga cerveja suméria era 'bappir'. O significado deste termo é muito discutível. O termo era representado nos antigos documentos sumérios por uma combinação de sinais consistindo de dois símbolos bem conhecidos de documentos proto-cuneiformes, mas apenas como simbolos independentes. Esta combinação de símbolos do GAR, que originalmente representava uma ração de cevada, inscrita no símbolo KAŠ, que originalmente retratava uma ânfora de cerveja, representando uma cerveja comum, tinha naquele mudado. Parece que cevada processada da mesma maneira que na produção de rações de GAR foram agora transformadas em um ingrediente básico da cerveja, substituindo a cevada grosseiramente moída".

E prossegue:

"Já foi mencionado que o símbolo GAR é comumente interpretado como o termo 'ninda', designando 'pão'. Esta interpretação do símbolo, juntamente com certas indicações de que 'bappir' era cozido ou assado, levaram acadêmicos a presumir que 'bappir' era apenas um tipo especial de pão, de forma que o termo é comumente traduzido como 'pão de cerveja'. Esta designação de 'pão de cerveja' é, no entanto, no mínimo, enganadora. O antigo ingrediente sumério 'bappir' nunca foi contado como seria de se esperar se tivesse sido, de fato, um tipo de pão. Era registrado, em vez disso, usando medidas de capacidade [volume]  assim como a cevada grosseiramente moída nos documentos proto-cuneiformes mais antigos, que foi agora substituído por 'bappir'."

O texto, na íntegra, pode ser encontrado no site da CDLI, um projeto do Instituto Max Planck de Berlim em conjunto com as universidades da California (UCLA) e de Oxford.

Portanto, na próxima vez que alguém afirmar com aquela inabalável certeza que "o hino à Ninkasi é a primeira receita de cerveja conhecida da humanidade", pode dizer sem medo:

- Há controvérsias.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Solta o pancadão de lúpulo, DJ ! Fé em Deus ! - Conheça a nova cara (e cerveja) da 2 Cabeças

Harmonizar musicalmente cerveja artesanal com rock e blues já virou clichê. Nada contra os estilos musicais, pelo contrário. Mas não seria incoerente associar a cerveja artesanal, que tantos defendem ser agregadora, etc etc, com o preconceito musical? Não são poucos os do meio cervejeiro que agem desdém diante da equação "bunda e samba" da propaganda das cervejarias de massa. Deploram o funk, ritmo carioca mais popular, que nasceu da influência do Miami Bass e do Freestyle americanos nos anos 1980, e por aqui acabou ficando com o título de uma corrente musical totalmente distinta. Mas fascinam-se com a equação "rock 'n roll e peitos" importada dos EUA. 

É neste contexto que surge a Funk IPA, que a cervejaria carioca 2Cabeças lança oficialmente nesta quinta-feira (13/2), com festa no Cerveja Social Clube, loja pioneira na Zona Norte do Rio de Janeiro, agora também dotada de bar. 

Poster criado pela cervejaria para o lançamento da Funk IPA. Crédito: Divulgação/2Cabeças

Mais do que fazer boas cervejas, a 2Cabeças tem investido pesado - metaforicamente falando, não que eles tenham milhões para gastar - em um marketing de contracorrente. Não é a toa. A escocesa Brew Dog, provavelmente a mais agressiva neste quesito no mercado artesanal mundial, é uma das referências declaradas do cervejeiro Bernardo Couto, "capataz" (como ele se denomina) da 2Cabeças. 

- A Funk IPA nasce para acabar com preconceitos, musicais ou cervejeiros, como de que a cerveja precisa ser lager e sem graça para agradar no calor brasileiro, ou que cerveja só pode combinar com Rock. Engula o seu preconceito! - afirma ele, no comunicado a respeito do lançamento.

Batidão no copo. Foto: Marcio Beck
Bernardo já havia brincado com a temática funkeira no Festival da AcervA Carioca do ano passado, em que apresentou a Saison do Naldo (em referência ao cantor de funk de mesmo nome), com a inusitada mistura de água de coco e vodka. Como a 2Cabeças já dispõe de uma IPA altamente característica, com maracujá, a receita da Funk IPA foi menos provocadora. Leve e refrescante, ela pretende ser uma India Pale Ale a ser consumida em quantidades maiores (o que se convencionou chamar de "session beer"). A contar pelas duas amostras que recebi da 2Cabeças para o "test-drink", ela cumpre com louvor a proposta. 

Dois maltes - Pale e Munich - produzem uma cor acobreada intensa, além de aroma e sabor de caramelo, bastante sutis. Turva, como era de esperar devido à ausência de filtragem, não aparenta a leveza que tem. Com pouco gás carbônico, como ocorre em muitas IPAs inglesas, produz uma espuma média, mas de longa duração, que deixa rastros nas bordas do copo. Também é leve no álcool (4,7% ABV).

Os lúpulos Zeus, Summit e Galaxy (adicionado na maturação da cerveja, em vez da fervura, como os dois anteriores) acrescentaram aromas que percebi como de tangerina, toranja (grapefruit), laranja e algo "temperado" (spicy). E, principalmente, um amargor perceptível mas agradavelmente moderado (45 IBU), que aparece desde o início do gole e permanece um bom tempo após o final.

Quem lê este blog já viu que acompanhamos o pessoal da 2Cabeças desde o começo. Recentemente, escrevi sobre como eles abandonaram a marca antiga por um "x" e mudaram todos os rótulos, durante o Mondial de La Biére. "Trocamos a marca por mais lúpulo", brincaram os cabeçudos na ocasião, referindo-se à flor que que confere amargor, aromas e sabores e é a paixão de uma imensa massa de cervejeiros - mas não deste repórter, como os leitores bem sabem.

Era o período de gestação de uma nova identidade visual desenhada pelo publicitário Bruno Couto (que não, não é irmão nem primo do Bernardo), criador do blog Eu Bebo Sim. Bruno se juntou à cervejaria no ano passado, assim como a cervejeira Maíra Kimura - que já relatou aqui no blog suas experiências cervejeiras na Grã-Bretanha.

Toda a linha repaginada com a nova identidade visual. Crédito: Divulgação/2Cabeças


Além de lançar a a Funk IPA, a 2Cabeças repaginou suas outras criações, a black IPA Hi-5 e a MaracujIPA. E lançou ainda um slogan, coisa que poucas cervejarias artesanais no Brasil se preocuparam até agora, e as poucas que tentaram pisaram na bola, caindo na megalomania ou na obviedade. "Repense cerveja", curto e objetivo, como manda a regra dos bons slogans, e com uma provocação ao bebedor. Novamente, uma sintonia com o que a Brew Dog já fez bastante, ou seja, dizer ao consumidores que esqueçam o que eles acreditam que é cerveja - ou seja, a versão industrializada sem sabor, sem aroma e sem amargor - e tentar algo novo.

Poster com o novo logo e o slogan - provocativo - da cervejaria. Crédito: Divulgação/2Cabeças

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Cervejas artesanais no México: Na terra da tequila, há 'chelas' muito além da Corona

Quem disse que no México só tem Coronal, Dos Equis e Sol? Foto: Arquivo pessoal/Eduardo Zobaran  

EDUARDO ZOBARAN
Especial para A Volta ao Mundo em 700 Cervejas

Sombreros, narcotraficantes e guacamole. Apesar do mal dos estereótipos que assolam o México, como é bom visitar o país. Além de música, comida, sítios arqueológicos e praias para todos os gostos, os nossos amigos latinoamericanos têm tequila, mezcal ou pulque, para emborrachar uma noite ao som de mariachis, rock ou jazz. E já que o boteco aqui é para falar de cerveja - ou chela, como eles preferem -, vale lembrar, o México é muito mais do que Corona e Sol.

A produção de cervezas artesanales vive um boom, mas ainda está bem atrás dos vizinhos do norte. Nos últimos cinco anos, microcervejarias se espalharam por várias regiões do México, como a Cidade do México, Oaxaca, Guadalajara e Baja California. Elas investem em ingredientes característicos do país, como chilli e tequila, e o melhor de tudo: não são tão difíceis de encontrar. Com uma garimpagem em supermercados, lojas e bares especializados na Cidade do México, você não precisa rebolar para conciliar a chela artesanal à viagem.

Já se sua viagem passa por outros cantos longe da capital, como foram as minhas férias (que saudade...), você vai sofrer. Depois de passar por um bocado de lugares e receber negativa sempre que procurava por uma cerveja diferente, confesso que desisti de procurar. Só voltei a me interessar pelo tema ao fim da minha viagem, quando cheguei à Cidade do México. Por lá, experimentei diversas e encontrei lugares ótimos para beber (desculpa, não sou desses que degusta) uma boa cerveja.

Beer Bank: parada obrigatória. Foto: Eduardo Zobaran
Meu lugar preferido para tomar as artesanais foi no Beer Bank, que é um pé bem limpo no bairro de Condessa, área chique, com muitos restaurantes e um jeitão de Europa. Assim como acontece em estabelecimentos do gênero no Brasil, a prioridade por lá parecem ser as cervejas estrangeiras, sobretudo alemães e belgas, mas há muitas opções de produto nacional. Por lá, achei pela primeira vez as recomendadíssimas (e, consta, super premiada) Calavera. Apesar de ter viajado em abril, não tive problemas para encontrar a premiada Yule, edição limitada feita para o período natalino.

O Beer Bank não é a única cada do tipo. Na Cidade do México, The Beer Box e Tlatoanis são outras boas opções. Além da Calavera e sua tampinha preta com uma cavera branca, que você certamente vai guardar no bolso como recordação, outras microcervejarias mexicanas que valem a chupada (calma, calma, isso é o “beber cerveja” deles) são Primus, Tempus, Tijuana, Minerva, Zapata, Mexicali, Sierra Madre e Red Pig. Algumas boas, outras nem tanto. São muitos estilos à disposição, mas a que mais gostei foi a Cucapá Chupacabra. Não sei direito se fui seduzido pelo nome curioso ou pela premiada American Pale Ale.

Bom, mas, sejamos francos, nem só de cerveja artesanal vive uma viagem. Se as artesanales não tão fáceis de encontrar por estados como Oaxaca, Chiapas, Quintana Roo e Yucatán, por onde passe, o jeito é tomar as blockbusters. E o melhor de tudo, as cervejas populares não fazem feio. Produzidas por Cuauhtemoc Moctezuma (hoje da Heineken) ou Grupo Modelo (da AB-InBev), as duas grandes cervejarias que polarizam as chelas do país e até os patrocínios aos times de futebol é possível encontrar ótimas opções para encher a cara.

Entre as principais cervejas da Moctezuma estão, é claro, a Sol (com versões Limón y Sal e Cero) e Tecate (ou Tecate Light). Outra muito conhecida e que se encontra aqui no Brasil é a Dos Equis, com versões Lager e Ambar (muito boa). As que mais tomei, no entanto, foram a Indio, que é baratinha e muito boa, e Bohemia, que tem versões Clásica e Oscura. Reza a lenda também que a Noche Buena é muito boa, mas, como é sazonal, não tive oportunidade de provar.

Do lado da Modelo e sua Corona ou Corona Light, também há opções para quem quer fugir das óbvias - ou, pelo menos, emborracharse com diferentes tipos de chelas. Minha favorita era a Negra Modelo, que dividiu meu coração e paladar entre as populares com a Bohemia Oscura. Outras fáceis de encontrar e, se não chegam a ser nenhuma Chimay, também entregam o que prometem, estão as Léon, Victoria e Pacífico e, alguns degraus mais baixo, a Montejo.

Já que falamos sobre estereótipos lá no começo, é bom ressaltar também que limão na garrafa não é prática tão comum por lá. Viajei por 26 dias no país e só encontrei o ritual em Playa del Carmen, justamente em um lugar lotado de turistas, onde o dólar fala mais alto do que o peso e o simpático “Que pasa, wey?!” vira “Whatsapp, dude?!” Mexicano de verdade esmaga um limãozinho é em todo e qualquer prato de comida, que, por sinal, rendem muitos e muitos posts. Mas essa já é outra história…

domingo, 12 de janeiro de 2014

Mais 5 blogs de cerveja que você não pode deixar de ler - além do nosso, claro

A zona cervejeira da blogosfera parece cada vez mais movimentada. Muitos destes blogs se destacam ao desenvolver uma identidade própria, voluntária ou involuntariamente, neste vasto mundo - ou seria universo? - da nossa querida bebida fermentada de grãos.

Pois então, como já fiz no post 10 blogs de cerveja que você não pode deixar de ler - além do nosso, é claro, é hora de sugerir aos nossos leitores outros espaços, além daqui, é claro, onde o assunto é tratado com o respeito e a leveza que merece.

Desta vez, trago mais 5 blogs, de perfis bem distintos, que tenho lido ultimamente. Abaixo, vocês têm o link, duas palavras-chave que acredito representarem o tipo de conteúdo que se destaca no blog.

E assim que analisar outros interessantes, postarei também.

Espero que gostem !



CERVEJA? GOSTO SIM!
Cerveja Caseira, Degustações

Desde que ganhou num aniversário com mais de 40 garrafas de cervejas artesanais e importadas, Marcelo Monich se apaixonou pelo esporte e passou a postar suas frequentes degustações, pontuadas com vídeos relevantes pinçados na web.


CONFESSO QUE BEBI
Degustações, Eventos

Como o título - que é um dos melhores trocadilhos no ramo, sem dúvida - indica, o blog tocado pelo produtor cultural Claudio Solstice e pela técnica cervejeira Isis Suarez faz uma aposta forte nas degustações de rótulos variados.


MARIA CEVADA
Eventos, Novidades

Futebol tem Maria Chuteira, automobilismo tem Maria Gasolina. É justo que cerveja tenha Maria Cevada. A jornalista Amanda Henriques, porém, subverte o sentido pejorativo do termo e vai atrás dos cervejeiros para descobrir novidades interessantes.


O CRU E O MALTADO
Degustações, Opinião

Na outra listagem, nossos leitores foram unânimes em afirmar: "Ótima lista, mas faltou o blog do Alexandre Marcussi!". Bom, não falta mais. Nele, o historiador Marcussi alia uma hectolitragem respeitável a textos de fôlego, detalhados e bem embasados.


PANELA DE MALTE
Gastronomia, Harmonizações

Um blog de cerveja que dá fome. Receitas simples e deliciosas do chef João Gabriel Almstaden para quem quer conhecer mais sobre a arte de combinar cerveja e comida. Explicações em textos e vídeos ajudam os mais inexperientes no fogão.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Samuel Adams Utopias: garrafa fabricada no Brasil tem ouro na pintura

Produzida a cada dois anos, a Samuel Adams Utopias é um barley wine extremo que figura entre as cervejas comerciais regularmente disponíveis (excetuando raridades e edições ultra-especiais) mais caras do mundo, oscilando entre US$ 150 e US$ 350, em média, pela garrafa de 700 ml. Seus 27% de teor alcoólico (ABV), sua textura licorosa e seu sabor de caramelo e xarope de bordo (maple) já bastam para torná-la inesquecível. Mas quiseram os executivos da Boston Beer Company que sua garrafa fosse uma atração à parte. Para criá-la, a cervejaria recorreu a uma empresa já conhecida nos EUA por produzir elaboradas canecas de cerâmica para Anheuser-Busch, Miller e Pabst.

Os felizardos proprietários - como os responsáveis por este blog - de unidades de qualquer safra desta preciosidade, se já tiveram curiosidade de olhar o que há no fundo da garrafa, se depararam com a inscrição em itálico:

Decanter handcrafted by Ceramarte of Brazil exclusively for the Boston Beer Company.

Inscrição no fundo da garrafa revela origem. Quem tem, sabe. Foto: Marcio Beck

Instalada na pequena Rio Negrinhos, cidade da região Norte Catarinense a 250 km de Florianópolis, a Ceramarte tem nada menos que 57 anos no mercado. Na década de 70, segundo o site da empresa, ostentava o título de maior fabricante de canecos do mundo, com mais de 30 milhões de unidades produzidas somente para a Budweiser.

Foi fundada em 1956 pelo ceramista Klaus Schumacher. Alemão de Hamburgo, Schumacher tinha chegado ao Brasil apenas quatro anos antes, com a esposa, a técnica em pintura cerâmica Maria Erdmuthe, e a pequena filha Karin, de sete meses. Mudaram-se para Rio Negrinho após uma passagem por Pomerode, também em Santa Catarina. Schumacher morreu em 2011, aos 86 anos.

Na busca pela história de como a Ceramarte, fiz contato por email com a equipe de Marketing da empresa, que respondeu a algumas dúvidas, mas deixou outras no ar. A ideia de fazer em forma de um tanque de mostura (mashing tun) antigo partiu da própria cervejaria?

- Foi em conjunto. A Boston Beer não queria uma garrafa trivial. Como estava desenvolvendo uma cerveja especial, nada mais natural que envasá-la numa garrafa especial. Foram vários os modelos apresentados à cervejaria antes de chegarmos à forma final, que atualmente está no mercado - conta a gerente do departamento, Eneide Eckel, sem informar quando teriam começado os contatos entre a cervejaria e a fabricante de cerâmica.

Segundo ela, "a maior parte do desenvolvimento" do desenho do modelo coube à Ceramarte. O protótipo final, depois de idas e vindas ao cliente, demorou "quase um ano". O processo de fabricação, segundo ela, é feito de forma "quase artesanal", com mão de obra especializada. Cada garrafa demora cerca de uma semana para ficar pronta. A empresa não revela o custo de cada unidade, até por um detalhe-chave:

- O que diferencia a garrafa de Utopias e seu formato diferenciado é a aplicação de matérias nobres no acabamento. O lustre dourado, que lhe dá a cor característica, contém 10% de ouro puro, e as portas aplicadas à cerâmica são de metal folhado a cobre e bronze, com acabamento envelhecido.

'Vamos abrir a porta... digo, janela, da esperança!' Foto: Marcio Beck

Por fim, a empresa não descarta outras empreitadas  no ramo cervejeiro, mas não detalhou se já existem outros projetos sendo analisados.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Os cabeçudos atacam de novo - 2Cabeças, a cerveja sem marca... até quando?

Quase dois anos atrás, destacamos aqui no blog uma novidade. Uma cervejaria que começava produzindo não em instalações próprias, mas na fábrica de outra marca. E começava, ainda por cima, com um estilo que não era bem reconhecido como estilo - hoje, o panorama é bem diferente - e a respeito do qual os cervejeiros sequer conseguiam chegar a um consenso.

Black IPA? Dark Cascadian Ale? India Black Ale? Não importa. Foi batizada de Hi5, saudação característica nos EUA, inspirada por um detalhe pitoresco na produção - uma luva cirúrgica usada para tapar o fermentador inflou com os gases liberados pela fermentação e parecia pedir um cumprimento.

A Hi5 conquistou narizes e bocas do público e dos principais especialistas do país. Em seguida, veio a MaracujIPA. Reparando que os lúpulos presentes nas IPAs dos EUA muitas vezes traziam um aroma forte de maracujá, decidiram adicionar a própria fruta, num "dry fruiting" sobre uma base de IPA. Novamente, a cerveja foi (merecidamente) muito bem recebida. O mesmo ocorreu com a Saison a Trois, mais recente.

Nos últimos meses, os sócios da 2CabeçasBernardo Couto e Salo Maldonado ganharam a adesão de mais uma cervejeira cabeçuda, Maíra Kimura, que fez um relato apaixonado e realista de suas experiências na Inglaterra - exclusivo pro nosso blog.

Por sugestão do designer cabeçudo Bruno Couto (autor do blog Eu bebo sim e responsável pela comunicação visual da cervejaria), eles decidiram "trocar a marca por mais lúpulo". Adotaram um "X" estilizado que, segundo Bernardo, representa "a ausência, como buscar uma imagem no google e aparecer que a imagem não pode ser carregada". Golpe de marketing? Claro, mas com estilo.

As novas garrafas da 2 Cabeças, sem marca no rótulo. Foto: Divulgação

Assim, a 2Cabeças trocou o nome da Hi5 para X-BlackIPA e da MaracujIPA para X-IPA com Maracujá. A cervejaria lançou ainda, no Mondial de La Biére, duas novas criações: a X-Imperial lager, em colaboração com a Penedon, do cervejeiro Sérgio Buzzi, e a X-Session IPA. Novamente, duas receitas certeiras, mesmo para quem não é lupulomaníaco como este escriba. A X-Imperial Lager (também descrita como Imperial Pilsner) podia trazer mais lúpulos florais, mas seu aroma de grapefruit, manga e um pouco de maracujá é bem agradável.

Até quando isso vai durar, não se sabe... Para tentar entender um pouco do que se passa nas cabeças dos cervejeiros cabeçudos, preparamos, como de costume, "algumas" perguntinhas sobre isso tudo e disparamos o petardo para o Bernardo Couto. As respostas vocês conferem abaixo:


BERNARDO COUTO // Cervejeiro da 2 Cabeças

O que motivou a mudança? Quantas MaracujIPAs - digo, X-IPA com Maracujá - vocês beberam antes de chegar a essa ideia?

Boa pergunta, eu devia estar bebendo uma Maracujipa para responder... A mudança tem vários motivos, mas existia um senso coletivo, tanto nosso quanto do Bruno, de que a nossa identidade visual poderia ser melhor. E é isso que estamos buscando. Repare que estamos sem marca, ou seja, esse logo não nos representa! Também foi uma forma de nos mostrar em um caminho diferente, não só do meio cervejeiro, mas do mercado em geral. Há um apego muito grande a marcas, fórmulas "de sucesso" e isso não nos interessa. Enquanto as grandes empresas buscam associar pessoas de sucesso ou marcas consagradas às suas, perpetuar suas marcas, nós resolvemos apagar a nossa.

Já que existem muitas possibilidades no ar, existe a possibilidade de também abandonarem o nome 2Cabeças, já que agora são quatro - contando com a Maíra Kimura e o Bruno Couto?

O nome 2cabeças nunca foi, na nossa cabeça, associado a mim a ao Salo. Claro, as pessoas entendem isso e é natural. Mas o dois representa o coletivo, duas cabeças pensa melhor do que uma. O sim e o não. O zero e um. Hoje o mundo é binário. A Maíra tem uma importância muito grande no crescimento da 2cabeças, mas o nome permanece o mesmo com dois, três ou quarto sócios. Mesmo no início existiu a possibilidade de ter mais uma pessoa e o nome seria 2cabeças do mesmo jeito.

A opção por ser uma cervejaria "cigana" remete à Mikkeler. Que semelhanças e diferenças vocês veem no que vocês vêm fazendo em relação ao que os dinamarqueses fazem? 

Acho que eles são a maior inspiração neste modelo de negócio no mundo. A nossa grande vantagem é a liberdade para criar. Mas a gente não tem nenhuma inspiração neles em termos de marca ou receitas. Nós fazemos o que nós gostamos de beber, e imagino que ele também, e esse é o nosso norte. Acreditamos que fazendo produtos para a gente estamos fazendo para várias pessoas que pensam como a gente. Em termos de modelo de negócio, me inspiro muito mais na Brooklyn, que começou terceirizada e permaneceu assim por muito tempo até ter fábrica própria. Não que estejamos em busca da fábrica própria neste momento...

Que vantagens e desvantagens vocês estão vendo no modelo 'cigano'? Com a Penedon, vocês estão na sexta cervejaria (as outras foram Allegra, Magnus, Cidade Imperial, Mistura Clássica e Invicta). Existem outras em negociação para o futuro próximo? Como vocês avaliam a receptividade das cervejarias a este modelo? 

A gente não liga muito para esse currículo, ainda mais por conta de algumas experiências ruins que tivemos com algumas destas. Ainda há uma barreira a este tipo de cerveja por que quem tem a indústria ainda vê um pouco de concorrência, ou então se sente incomodado de não estar saindo uma cerveja de lá com receita do mestre-cervejeiro. Mas, cada vez mais, as cervejarias estão se abrindo à terceiros e acabamos puxando essa fila em várias delas. Para nós, está funcionando e pretendemos permanecer assim.

A devoção ao lúpulo não entra um pouco em contradição com a ideia da variedade da cultura cervejeira, de mais de 100 estilos de todos os sabores? Cerveja só presta mesmo se for amarga?

Cerveja só presta se for boa de beber! Das quatro saisons produzidas no Brasil, duas foram receitas nossas. Não acreditamos apenas no lúpulo, mas vemos ele com um grande tempero que muda a perspectiva do que as pessoas entendem como cerveja. Sim, nós adoramos lúpulos, fazemos muitas cervejas com muito lúpulo. Mas, ao mesmo tempo, em vez de dry hopping escolhemos usar maracujá em uma American IPA. Buscamos o equilíbrio, a inovação, mas, sobretudo, o prazer de beber!

Sobre a cultura cervejeira, acho que isso é plural. Não somos nós que temos que abrir todos os horizontes. Nós temos nosso caminho e outras cervejarias tem os deles. Na coletividade, se tem a diversidade de estilos. Acho que vale um adendo, nós somos lupulomaníacos que nunca lançaram uma American IPA tradicional, ou uma Imperial IPA. Há muito o que explorar, para todos os lados.

A Saison a Trois (ótima, por sinal) é a única cerveja de vocês até agora que não é uma bomba de lúpulo. Podemos esperar outras? 

Claro! Nós trocamos a marca por mais lúpulo, mas depois vamos ter que devolver esse lúpulo todo e pegar de volta uma marca, né? Temos a trilogia IPA completada com a Session. Agora podemos brincar de outra coisa.